quinta-feira, 26 de junho de 2008

EUA insistem em manter sua atitude de Estado fora da lei.

Os assuntos internacionais são, em grande medida, como os assuntos da máfia: um padrinho não pode tolerar a desobediência, nem sequer a de um pequeno lojista que se recuse a pagar pela proteção, porque a maçã podre poderia fazer apodrecer o barril inteiro. A comparação é de Noam Chomsky, ao analisar a política externa dos EUA, em entrevista ao ensaísta Wajahat Ali.
“Neste momento, estou completamente sobrecarregado por demandas, mas realmente gostaria de realizar esta entrevista, só que não sei quando poderá ser”, respondeu Noam Chomsky - 79 anos, prolífico autor, lingüista, acadêmico e ativista – na primeira de muitas mensagens trocadas ao longo de seis meses. É o mais citado e, provavelmente, o mais controverso intelectual vivo, segundo Global Intellectuals Poll. Embora os meios de comunicação dominantes lhe neguem espaço, o New York Times garante que Chomsky continue sendo um dos intelectuais vivos mais influentes e mais solicitados por estudantes, universidades, ativistas, simpósios acadêmicos e, inclusive, por líderes mundiais, como o presidente da Venezuela, Hugo Chávez.Meu primeiro encontro com este ativista, acadêmico, polemista e de má reputação para alguns remonta ao ano 2002, quando fui moderador em uma sessão de perguntas e respostas na qual ele participou, celebrada no meu antigo programa na Universidade da Califórnia (Berkeley). (O encontro seria, posteriormente, incluído no livro Power and Terror: Post 9-11 Talks and Interviews). Antes do programa, tivemos uma longa conversa de uma hora e fiquei impressionado com sua inesgotável memória, sua falta de afetação e o brilhante resumo de dados, nomes e datas que ele utilizou em resposta às minhas intermináveis perguntas. Quando perguntei qual era sua faceta dominante, se acadêmico ou ativista, respondeu que nenhuma das duas de modo exclusivo, e disse que a dissidência sempre tem sido parte dele, desde o primeiro artigo que escreveu, aos dez anos de idade, no qual condenava o triunfo do fascismo durante a Guerra Civil espanhola. Apesar de que a arrogância de muitos intelectuais e acadêmicos só é superada por sua própria insegurança, o que dá como resultado um elitismo frio e egoísta, sempre vi em Chomsky alguém generoso, adaptável e disposto a compartilhar seu tempo e seus conhecimentos.Assim, não foi surpresa que, depois de seis meses de mensagens eletrônicas, o professor Chomsky pudesse dispor de um pouco de tempo para responder minhas perguntas, segundo suas próprias palavras. Nesta entrevista exclusiva, Chomsky discute acerca da ameaça do Irã, dos paralelismos e diferenças entre Vietnã e Iraque, dos meios de comunicação nos Estados Unidos, de seus críticos e detratores, Paquistão e a negação do título de professor para Norman Finkelstein.Ali: Em 1969 o senhor publicou seu primeiro trabalho político de importância, "American Power and the New Mandarins" (O poder norte-americano e os novos mandarins) uma acerada crítica à intervenção dos Estados Unidos no Vietnã e no Sudeste asiático. Como sabe, muitos estabelecem paralelos entre a atual guerra do Iraque e a do Vietnã. Outros, é claro, rejeitam esta comparação. O senhor, como pessoa com grande experiência no estudo de ambos os momentos, tão significativos historicamente, considera que esse paralelismo é prematuro e ousado? Ou acredita que podem ser estabelecidas semelhanças importantes entre ambas as guerras no que se refere à intervenção norte-americana?Chomsky: A primeira semelhança guarda relação com o modo de considerar as guerras nos Estados Unidos e no Ocidente em geral. Marginais a parte, as opiniões oscilam entre o que se conhece como falcões e pombas. Em ambos os casos, os falcões garantiam que uma intervenção maior dos Estados Unidos poderia levar à vitória. As pombas, também nos dois casos, participam da opinião expressa por Barack Obama sobre o Iraque (trata-se de uma gafe estratégica, que está saindo cara demais para nós) ou pelo destacado historiador de centro-esquerda e assessor de Kennedy, Arthur Schlesinger, em 1966, quando o Vietnã já aparecia como uma aventura custosa demais para os Estados Unidos. Schlesinger afirmou na época: todos rezamos para que os falcões tenham razão e que um número maior de tropas nos traga a vitória. E, se no fim, resultar que temos razão – dizia – todos elogiaremos a sabedoria e a liderança do governo norte-americano, que conseguiu uma vitória deixando para atrás esse trágico país destripado e devastado pelas bombas, queimado pelo napalm e desertificado pela defoliação química, um país de ruína e escombros, com seu tecido político e institucional totalmente destruído.Mas Schlesinger não acreditava que a escalada teria sucesso, e sim, pelo contrário, que poderia nos custar caro demais, o que parecia indicar a necessidade de pensar novamente toda a estratégia. A posição das pombas em relação ao Iraque é bastante parecida. Se, por exemplo, o general Petraeus pudesse conseguir algo parecido ao que Putin conseguiu na Chechênia, seria elevado aos altares, com o aplauso das pombas progressistas.É quase inconcebível, dentro dos rumos estabelecidos da cultura intelectual ocidental, a possibilidade de se fazer uma crítica da guerra baseada em questões de princípio, ou seja, o tipo de crítica que fazemos, reflexiva e adequadamente, quando algum país inimigo comete uma agressão: por exemplo, quando a Rússia invadiu a Checoslováquia, o Afeganistão ou a Chechênia. Não criticamos estas ações por razões de custo, erro, por terem sido uma grande gafe ou por estancamento. Em vez disso, condenamos essas ações como horrendos crimes de guerra, tanto se elas são bem-sucedidas quanto se não.Em si mesmas, as guerras do Vietnã e do Iraque, contudo, são muito diferentes por seus motivos e caráter. O Vietnã não tinha, por si mesmo, nenhum valor para os Estados Unidos, embora o presidente Eisenhower tenha tentado conseguir apoio para a sua violação dos acordos de paz de Genebra recorrendo aos recursos, de estanho e borracha disponíveis naquele país. Se o Vietnã tivesse desaparecido do mapa, afundado no mar, isso não teria significado grande coisa para os planejadores norte-americanos. O Iraque é uma coisa totalmente diferente. Tem, provavelmente, as segundas maiores reservas petrolíferas do mundo, com a particularidade extra de que são de fácil extração. E, além disso, está exatamente no centro geográfico mundial dos maiores recursos energéticos mundiais, facilmente exploráveis.No caso do Vietnã, a preocupação consistia em que um desenvolvimento independente e bem-sucedido desse país podia ser um vírus que poderia estender o contágio para outros, se aceitarmos a retórica de Henry Kissinger em relação ao socialismo democrático no Chile. Este raciocínio tem sido o motivo primordial de intervenção militar e de subversão em todo o mundo a partir da II Guerra Mundial, é a versão racional da teoria do dominó. O contágio consiste em que outros que sofrem dos mesmos males possam ver em um desenvolvimento independente e exitoso um modelo, e possam tentar seguir por esta mesma via, o que provocaria a erosão do sistema de dominação. Por isso, até o mais pequeno e débil país representa uma ameaça extrema à ordem.Os assuntos internacionais são, em grande medida, como os assuntos da máfia: um Padrinho não pode tolerar a desobediência, nem sequer a de um pequeno lojista que se recuse a pagar pela proteção, porque a maçã podre poderia fazer apodrecer o barril inteiro, na terminologia dos planejadores norte-americanos: aqui, a podridão consiste em um desenvolvimento independente exitoso, à margem do controle norte-americano. Temia-se que o Vietnã pudesse infectar seus vizinhos, como a Indonésia, com seus ricos recursos. E que o Japão – que o destacado historiador da Ásia John Dower chamava de superdominó– pudesse acomodar-se a uma Ásia Oriental independente, transformando-se, com isso, em seu centro industrial e tecnológico, tornando realidade a nova ordem que o Japão fascista havia tentado construir pela força durante a II Guerra Mundial. Os Estados Unidos não estavam dispostos a perder a fase do Pacífico da II Guerra Mundial apenas poucos anos depois.Quando se teme que o contágio possa se estender é preciso destruir o vírus e inocular aqueles que poderiam se infectar. E esta operação foi feita. O Vietnã sofreu uma quase total destruição (assim como toda a Indochina, quando os EUA estenderam sua guerra para o Laos e a Camboja). No fim de 1960, era evidente que nunca poderia ser modelo para ninguém e que a mera sobrevivência seria obra da providência. E a região foi inoculada por meio da imposição de tiranos assassinos: Suharto na Indonésia, Marcos nas Filipinas, etc. O golpe militar de Suharto, em 1965, foi particularmente importante, e foi descrito com toda precisão: o New York Times afirmou que se tratava de um “assassinato massivo horripilante” –e também como “um raio de luz na Ásia”–, em momentos em que o exército do ditador assassinava um número estimado em um milhão de pessoas, em sua maior parte camponeses sem terras; destruía o único partido político popular de massas do país, um partido dos pobres, como foi descrito pelo especialista australiano Harold Crouch, e abria a porta dos ricos recursos do país para sua exploração pelas corporações ocidentais. A euforia nem sequer foi dissimulada. Retrospectivamente, o assessor de segurança nacional de Kennedy e Johnson, McGeorge Bundy, afirmou que os Estados Unidos poderiam ter posto fim à guerra do Vietnã em 1965, depois desta grande vitória da liberdade e da justiça.Os Estados Unidos conseguiram uma significativa vitória na Indochina, apesar de não terem conseguido seu objetivo máximo: instalar um Estado satélite. Por conseguinte, para a consciência imperial a guerra do Vietnã foi um desastre.Como já disse, o Iraque é outra coisa. É valioso demais para ser destruído. É fundamental que permaneça sob o controle dos EUA, na medida de tudo o que for possível, em forma de Estado satélite obediente que abrigue importantes bases militares norte-americanas. Sempre foi evidente que este era o objetivo primordial da invasão, mas agora isso não precisa sequer ser discutido. Estes planos foram explicitados pelo governo Bush com sua declaração de novembro de 2007 e por afirmações posteriores, acompanhadas da descarada exigência de que as grandes corporações norte-americanas do petróleo tenham acesso privilegiado às enormes reservas de cru do Iraque.Ali: Parece que o público norte-americano finalmente descobriu, depois de 60 anos, a existência do Paquistão. O general Musharraf é sincero quando afirma querer reconstituir a democracia em seu país? Concretamente, por que os Estados Unidos confiam em Musharraf mais do que em outros rivais potenciais, como Bhutto e Zardari, do PPP, Nawaaz Sharif, etc., em sua guerra contra o terrorismo e sua busca e captura de Bin Laden?Chomsky: Não devemos perder tempo valorando as intenções de Musharraf de reconstituir a democracia. Os Estados Unidos apoiaram-no tanto tempo quanto possível, do mesmo modo que apoiaram outros tiranos, como Zia ul-Haq. A escolha de um determinado aliado é feita seguindo um critério muito simples: trata-se de buscar o satélite mais leal, aquele que mais nos garanta que vai obedecer ordens. Apesar de alguma exceção ocasional, a uniformidade é impressionante.Ali: Recentemente, um relatório dos serviços secretos dos EUA afirmava que o Irã tinha finalizado com sucesso um programa de armas nucleares há quatro anos. O Irã afirma que, na verdade, nunca teve um programa deste tipo. Contudo, o presidente Bush, o presidente israelense Olmert e altos cargos de Washington garantem que o Irã continua sendo uma grande ameaça e que persegue a obtenção de armas nucleares. São sustentáveis estas opiniões dos EUA e Israel? E se não são, qual é a razão da retórica de enfrentamento com o Irã, e de que modo favorece a política exterior dos EUA na região do Oriente Próximo?Chomsky: Estas afirmações deveriam ser avaliadas pela Agência Internacional de Energia Atômica. Eu, é claro, não tenho nenhum conhecimento especial. Não seria tão surpreendente que descobrissem que o Irã tem algum tipo de programa de armas nucleares, junto, talvez, com planos de emergência. As razões foram expostas por um dos mais importantes historiadores de Israel, Martin van Creveld, quando disse que o Irã estaria completamente louco se não desenvolvesse uma arma de dissuasão nuclear nas atuais circunstâncias: com as forças hostis de uma superpotência violenta em duas de suas fronteiras e uma potência regional hostil (Israel) que dispõe de centenas de armas nucleares clamando por uma mudança de regime no Irã. Contudo, as provas disponíveis indicam que se esse país já teve um programa assim, ele foi encerrado há alguns anos.Da perspectiva norte-americana, o Irã cometeu um grave crime em 1979. Como é sabido, em 1953, os Estados Unidos e o Reino Unido desmantelaram a democracia parlamentar iraniana e instalaram um brutal tirano, o Xá, que foi um baluarte do controle norte-americano na rica região petrolífera até 1979, quando foi deposto após um levantamento popular. Tratava-se de um caso bastante parecido ao da derrocada do ditador Batista em Cuba, em 1959, e de outros atos de desafio exitoso aos princípios de Washington, segundo o termo cunhado em seus documentos internos. O Padrinho não pode tolerar um desafio exitoso. É uma ameaça grande demais ao que chamam de estabilidade, ou seja, à obediência aos senhores.A independência iraniana não é um problema menor. Ameaça o controle norte-americano de um dos butins mais valiosos do mundo, o petróleo do Oriente Próximo. Como conseqüência, desde 1979 os Estados Unidos têm sido duramente hostis com o Irã. Washington respaldou o feroz e mortífero ataque de Sadam Hussein contra o Irã e, inclusive, uma vez terminada a guerra continuou apoiando esse aliado até o ponto de convidar engenheiros nucleares iraquianos para receberem formação avançada para o desenvolvimento de armas nucleares, em 1989. Mais tarde, promulgou graves sanções contra o Irã, ao mesmo tempo que lançava freqüentes ameaças de atacar esse país e derrocar seu governo.E assim até hoje. Atualmente, 15 de junho de 2008, a agência de notícias Reuters informa o seguinte: “Os analistas estimam que se forem oferecidas ao Irã garantias de segurança –uma idéia lançada pela Rússia– seria possível sair do ponto morto atual, considerando que estas garantias constituem o objetivo fundamental do Irã, dada a política de Bush de mudança de regime referente a esse país. Mas os Estados Unidos afirmaram, no mês passado, que as grandes potências não tinham planos de compromisso em matéria de segurança com Teerã.”Em poucas palavras, os EUA insistem em manter sua atitude de Estado fora da lei, rejeitando os princípios fundamentais do Direito Internacional, entre outros a Carta das Nações Unidas, que proíbe o uso da força nos assuntos internacionais. Bush conta com o apoio dos dois principais candidatos presidenciais de 2008 e com o das elites dos EUA e da Europa, ainda que não com o da opinião pública norte-americana, que apóia com grande margem a diplomacia e opõe-se às ameaças de guerra. Mas a opinião pública é, em grande medida, irrelevante na hora de elaborar as políticas, e não apenas neste caso.A classe política, em toda sua amplitude e com raras exceções, está comprometida com a manutenção do controle norte-americano dos principais recursos energéticos do mundo, e com o castigo dos desafios exitosos. Por conseguinte, os EUA têm feito grandes esforços para mobilizar uma aliança contra o Irã entre os Estados sunitas da região, embora sem muito sucesso. As duas viagens de Bush para a Arábia Saudita, no início de 2008, foram, neste sentido, fracassos sem paliativos.A imprensa saudita, normalmente muito comedida com os visitantes importantes, condenou as políticas propostas por Bush e pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, como “não uma diplomacia em busca da paz, mas uma loucura em busca da guerra.” As monarquias do Golfo Pérsico não são amigas do Irã, mas aparentemente preferem acomodar-se e não entrar em confronto, o que constitui um duro golpe para as políticas norte-americanas. Washington está diante de problemas similares no Iraque e no Líbano. Em um segundo plano, existe uma preocupação mais profunda: que os países produtores de energia da região possam voltar-se para o Leste e, inclusive, que sigam o exemplo do Irã de estabelecer vínculos com a Organização de Cooperação de Shanghai (1), na qual a Índia, Paquistão e Irã participam como observadores, participação que foi negada a Washington.Ali: O conflito entre sunitas e xiitas tem se agravado sensivelmente nestes últimos anos, especialmente no Iraque, devido à crescente insurgência e à guerra civil desatada pela queda de Sadam Hussein e o vazio de poder que seguiu. O senhor acha que esse conflito sunita-xiita pode se estender para todo o Oriente Próximo. Em caso afirmativo, como isso ocorreria, especialmente em países como Iraque, Irã e Líbano e em relação à guerra contra o terrorismo? Vamos testemunhar mais atos terroristas, mais extremismo e mais antiamericanismo, ou será que este “divide e vencerás” pode ajudar as forças norte-americanas e as políticas estrangeiras a pacificarem a região?Chomsky: Segundo estudos sobre a opinião pública iraquiana, realizados pelo Pentágono, os conflitos sectários do Iraque não foram causados “pela queda de Sadam Hussein e o vazio de poder que seguiu”, senão pela agressão norte-americana. Se você me permite citar o resumo, publicado pelo Washington Post, dos documentos do Pentágono publicados em dezembro de 2007, ele afirma: “Iraquianos de todos os grupos sectários e étnicos acreditam que a invasão militar norte-americana é a raiz primordial das violentas diferenças entre eles e consideram que a saída das forças de ocupação é fundamental para a reconciliação nacional.” Como eu já disse, os Estados Unidos não tiveram muito sucesso em sua inspiração de um conflito regional entre sunitas e xiitas, mesmo que as tensões entre eles sejam bem reais e inquietantes. A invasão do Iraque potencializou os atos de terrorismo muito mais do que teria sido possível pensar de antemão, ao ponto de que algumas estimativas, como as realizadas pelos especialistas em terrorismo Peter Bergen e Paul Cruickshank após a análise de cifras semi-oficiais, chegam a considerar que se multiplicaram por sete. O que vai acontecer a seguir depende, em larga medida, de quais sejam as políticas norte-americanas, apesar de que também há muitos fatores internos próprios desta complexa região.Ali: No dia 20 de setembro de 2006, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, promoveu seu livro "Hegemony or Survival: America's Quest for Global Dominance" (2) na Assembléia Geral das Nações Unidas, e elogiou o senhor por demostrar que o maior perigo para a paz mundial, nestes momentos, são os Estados Unidos. Imediatamente, houve um grande alvoroço nos meios de comunicação. O senhor, por sua vez, recusou os pedidos de entrevistas porque, na sua opinião, os entrevistadores nem sequer haviam se incomodado em ler o livro e discutir seu conteúdo e estavam, em vez disso, à procura de sensacionalismo. Existe nos meios de comunicação norte-americanos um lugar para o jornalismo informativo e educativo e para a informação contrastada que não esteja tingida de sensacionalismo ou retórica promocional? O surgimento da Internet –os blogs, YouTube, os webzines, etc.– permite contrabalançar o que o senhor tem chamado de fabricação do consenso, consistente em que organismos poderosos, como as grandes corporações e o governo norte-americano, forneçam à mídia e ao público informação preparada, propaganda e meias-verdades adequadas?Chomsky: Se eu tivesse que me limitar a um único jornal, escolheria o New York Times, apesar de já ter escrito centenas de páginas nas quais documento em detalhe suas falsas representações, distorções e cruciais omissões à serviço do poder. E faria essa escolha por sua importância e recursos superiores aos demais. Aprende-se muito com uma leitura atenta e crítica dos meios de comunicação dominantes, apesar de que existem outras fontes também valiosas. A Internet permite ter acesso a uma grande variedade de informação, opinião e interpretação. Mas, como qualquer outra fonte, é útil só com a condição de que seja utilizada de um modo discriminado e reflexivo. Os melhores biólogos não são aqueles que leram mais publicações técnicas de seu âmbito, mas aqueles que dispõem de um marco de compreensão que lhes permite selecionar o que pode ser significativo, mesmo que de resto um determinado documento tenha pouco valor. Este mesmo tipo de discernimento é necessário no estudo dos assuntos humanos.Ali: Seus críticos –e há muitos deles– afirmam que sua retórica e ideologia parece um disco riscado: uma interminável ladainha e um monte de ataques repetitivos à política exterior norte-americana e às suas ações militares. Como o senhor responde aos críticos que afirmam que sua descrição da política exterior dos EUA é simplista e cínica? Os Estados Unidos são, realmente, um império do mal? Não existem casos em que a intervenção norte-americana ou a ajuda desse país tenha respondido a critérios altruístas, seguindo os ideais da Constituição?Chomsky: Este tipo de crítica de que você fala tem sido feita aos dissidentes de quase todas as sociedades na história da Humanidade, ou seja, não se deve dar a mínima para elas. Se os críticos têm argumentos e provas, vou estudá-los com prazer, neste âmbito assim como em qualquer outro. Quando o único que há são crises de birra do tipo que você menciona, podemos descartá-las como novos exemplos daquilo que o criador da teoria das relações internacionais realistas, Hans Morgenthau, chamou “nossa conformista obediência àqueles que têm o poder”, referindo-se aos intelectuais norte-americanos –e aos ocidentais em geral–, apesar das eventuais excepções. Eu não respondo a estas acusações de que descrevo os Estados Unidos como um império do mal, porque esta acusação é uma montagem infantil feita por apologistas desesperados do poder estatal.De fato, costumo insistir em que os Estados Unidos são como qualquer outro sistema de poder. É verdade que esta afirmação é intolerável para nossos nacionalistas, que insistem no excepcionalismo dos EUA, assim como é para os líderes políticos e as classes intelectuais em outros Estados poderosos, passados e presentes, com muita freqüência. Quanto ao caráter genuinamente altruísta das nossas intervenções, é difícil encontrar exemplos no passado, tal como a pesquisa histórica demonstra, mesmo que, é claro, cada intervenção seja apresentada como altruísta por parte de seus perpetradores, por mais monstruosas que sejam. A imagem é mais ambígua no que se refere à ajuda, mas não muito diferente quando observamos em detalhe, e se ajusta também a um universal histórico, como eu tenho dito.Ali: Na sua opinião, o veto que a Universidade DePaul impôs à nomeação do professor Norman Finkelstein, devido à sua mordaz crítica e refutação do livro de Alan Dershowitz, "Case for Israel" é indicativa do clima de probidade e integridade intelectual nos Estados Unidos? Será que é um aviso aos acadêmicos e intelectuais que não se ajustam às consignas e questionam abertamente a ideologia que defendem os poderosos grupos de interesses e os lobbies? Ou será que é só um incidente isolado, que não tem outras implicações em relação ao ambiente intelectual pós 11 de setembro?Chomsky: O comportamento da Universidade DePaul ao rejeitar a recomendação dos professores para a nomeação de Finkelstein foi, sem dúvida, deplorável, mas este caso não pode ser generalizado. Tem características específicas, especialmente o papel do desesperado e fanático professor da Faculdade de Direito de Harvard, Alan Dershowitz. Finkelstein demonstrou com impecável rigor acadêmico que Dershowitz é um difamador, um mentiroso e um vulgar apologista dos crimes do Estado que defende. Em um primeiro momento, Dershowitz removeu céu e terra para impedir a publicação do escrito de Finkelstein; após fracassar nisso, lançou uma cruzada histérica para tentar suprimir seu conteúdo. Não é um idiota e sabe que não pode responder em termos de fatos e argumentos, ou seja que recorreu àquilo que é habitual nele: uma seqüência de ataques e insultos e uma extraordinária campanha de intimidação, à qual, finalmente, sucumbiu a direção da Universidade, aparentemente por temor a uma eventual mobilização de seus patrocinadores.Esta depravada atuação tem sido analisada com muito detalhe em publicações apropriadas, como Chronicle of Higher Education , e não vou me estender mais aqui.É verdade que há iniciativas importantes para impedir um debate honesto e independente dos assuntos do Oriente Próximo, especialmente os relativos a Israel. Não obstante, este é um caso especial, que não tem nenhuma relação com o ambiente intelectual posterior ao 11 de setembro.
* Wajahat Ali é cidadão paquistanês e norte-americano, muçulmano, autor teatral, ensaísta, humorista e advogado, cuja obra "The Domestic Crusaders" (Os cruzados do interior) é a primeira obra teatral que trata dos muçulmanos norte-americanos no período posterior ao 11 de Setembro.
Extraído de www.agenciacartamaior.com.br

quarta-feira, 25 de junho de 2008

A sociedade anarquista

A educação avançada: a base da coexistência harmoniosa
A questão persecutória por excelência entre os anarquistas no decorrer da história é: como seria possível uma Sociedade Anarquista se cada ser humano pensa de uma forma diferente? Não seria permeada por inúmeros conflitos, guerras, antagonismos?
A resposta a essa questão, defendida pela maior parte dos anarquistas, é a de que apenas o desenvolvimento virtuoso da educação permeada pela autodidática, interesse natural, relativismo cultural e antidogmatismo – proveria as pessoas do desenvolvimento humano efetivo. Assim, embora os conflitos façam parte da Sociedade Anarquista – e a desenvolvam estruturalmente por essa relação dialética –, eles seriam transferidos do plano físico – como é o caso das guerras atuais – para o plano do diálogo – como prima a Democracia Direta –, sendo negociados de forma pacífica, consciente, racional e, acima de tudo, humana, já que o interesse, o calculismo, não estaria mais regendo as instâncias conflitivas. Em outras palavras, independentemente do resultado do embate, ninguém sairia em posição privilegiada.
Evidentemente, no caso de uma sociedade anarquista, também pode haver indivíduos que perturbem a harmonia social. Como a violência é uma forma pura de autoridade, de poder, o indivíduo que encarná-la em qualquer uma de suas ações, por qualquer que seja o motivo, não será considerado anarquista. Como a Sociedade Anarquista é uma sociedade de anarquistas e para anarquistas, os dissidentes seriam obrigados a garantir a sua subsistência onde a autoridade e a mesquinhez deles tivesse alguma funcionalidade.
Piotr Alexeevich kropotkin (1842 – 1921) defende que a Liberdade, em seu estado puro, em conjunto com a fraternidade, serviria como um verdadeiro "remédio" às pessoas, sanando os seus problemas mais nefastos, conseqüentemente, prescindindo-se de qualquer espécie de punição ou coerção. Esta idéia se aplica, num espectro mais amplo, até às questões relacionadas à existência de estruturas manicomiais, responsáveis, na sociedade capitalista, pelas torturas e maus-tratos aos estigmatizados pelo sistema como "doentes mentais".

Princípio da flexibilidade e naturalidade organizacionais
Os anarquistas, por intermédio da aceitação e compreensão da progressão materialmente dialética da história, em sua maioria, não acreditam que o estabelecimento de estruturas organizacionais rígidas possam promover um desenvolvimento humano efetivo. Assim, acreditam que a inflexibilidade organizacional - típica do sistema capitalista - termina por interferir deleteriamente, quando não suprimir, as faculdades individuais de cada ser humano. Por isso, os anarquistas acreditam que são as dificuldades e problemáticas humanas, materiais e sociais que devem prescrever o modelo temporário de organização, e não as inferências provenientes de abstrações técnicas. Em outras palavras, é a realidade concreta que deve definir as bases da organização da sociedade anarquista, em contrapartida com as situações imaginárias criadas pelos "técnicos", as quais, na maioria das vezes, tendem a ser manipuladas a favor de interesses parciais.
Com o objetivo de se potencializar de forma plena a coesão estrutural - material - necessária à Sociedade Anarquista, a fim de se promover a satisfação das necessidades humanitárias, houve a emergência do conceito de Federalismo Libertário.

Federalismo libertário
Sendo uma ampliação funcional do princípio da “Ação Direta”, o federalismo libertário é o meio de organização proposto pela maior parte das vertentes anárquicas, desenvolvido, no âmbito anarquista, pela primeira pessoa a se intitular “anarquista”: Pierre-Joseph Proudhon (1809 - 1865). Esse conceito consiste na subdivisão organizacional temporária ou permanente da sociedade libertária – em federações, comunas, confederações, associações, cooperativas, grupos e qualquer outra forma de conjugação da força operacional humana – para a maior eficiência das interações humanas, sociais. Por intermédio do federalismo, de cunho libertário, seria possível uma intervenção rápida e direta do homem frente às problemáticas emergentes na sociedade anarquista. Nesse aspecto, Piotr Alexeevich Kropotkin (18421921) aludia didaticamente às federações como sendo "botes salva-vidas": ágeis no auxílio e versáteis frente às condições ou necessidades adversas.
Evidencia-se que o conceito de federalismo, no campo libertário, transcende o conceito atual de federalismo que conhecemos, deixando de representar apenas as associações de grande escala para adentrar no âmbito pessoal, abrangendo, inclusive, as relações interpessoais. Desta forma, o federalismo libertário se firma enquanto a máxima coesão entre o homem e a satisfação proficiente de suas necessidades.
O federalismo libertário se difere do federalismo estatal - como o que vigora no Brasil - por não ser concebido em meio a nenhuma relação de submissão e por ser regido, em sua completude, pelas necessidades humanas. Seriam sempre as problemáticas que definiriam e prescreveriam a organização, e não os interesses, sejam eles coletivos ou pessoais.
Com efeito, vários anarquistas já propuseram modelos mais elaborados de organização, de plataformas organizacionais, mas, como é a conjuntura e a naturalidade que devem definir a organização numa sociedade anarquista, elas são consideradas inferências, projetos divergentes, porém, todos unificados pelo conceito uno do federalismo libertário. Em outras palavras, o federalismo libertário é tido enquanto o germe de qualquer organização anarquista.

Responsabilidade: individual e coletiva
Na sociedade anarquista, a questão da responsabilidade é persecutória em qualquer pensamento acerca das relações entre os seus integrantes. Didaticamente, ela é dividida entre responsabilidade individual e responsabilidade coletiva - ambas totalmente coesas na prática.
Pela primeira, compreende-se a consciência individual encarnada em qualquer ação empreendida pelo indivíduo, de forma pessoal, subjetiva - embora com vistas ao benefício do coletivo. Assim, o anarquista possui seus deveres e obrigações em relação a toda a sociedade, agindo sempre de forma a progredi-la por completo.
Pela segunda, é convencionada a consciência coletiva emergente a partir de qualquer ação exercida por determinada seção operacional - grupo, associação, federação, etc. Uma determinada seção é responsável - em sua integridade - pelas suas ações desenvolvidas, estando suscetível aos seus resultados e, conseqüentemente, às possíveis reformulações ou reorientações.
Questões freqüentes aos anarquistas

A instrumentalização da violência
Poucos anarquistas defendem a violência contra indivíduos. Durante o fim do século XIX e início do século XX, o anarquismo era conhecido como uma ideologia que pregava os assassinatos e explosões, devido a ação de pessoas como o russo Nechaiev, o francês Ravachol e à influência dos meios de comunicação social da época. A maioria dos anarquistas acredita que a violência contra indivíduos é inútil, já que mantém intactas as relações sociais de exploração e as instituições que a mantêm. Entretanto, os anarquistas acreditam que o recurso à violência é inevitável como legítima defesa à violência do Estado ou de instituições coercivas. Anarquistas como Errico Malatesta e Emma Goldman publicaram célebres debates condenando o individualismo-terrorista de alguns anarquistas. Ambos autores consideraram a ação desses indivíduos inútil e mesmo daninha à causa anarquista, e que seus atos eram reações de desespero em face às injustiças sociais.
Entretanto, é inegável que foram praticados assassinatos políticos inspirados por anarquistas. Por exemplo, Leon F. Czolgosz confessou ter decidido assassinar o presidente William McKinley após assistir a uma palestra proferida por Emma Goldman. Estadistas como Humberto I da Itália, Elisabeth da Áustria e Marie François Sadi Carnot, presidente da França, foram assassinados por anarquistas italianos. Tudo isto aconteceu durante os últimos anos do século XIX e a primeira década do século XX. Outros atentados, como contra Alexandre III da Rússia e Carlos I de Portugal, foram erroneamente atribuídos a anarquistas, por generalização.
Existiram, no entanto, outros anarquistas, como Leon Tolstoi, que acreditavam que o caminho da anarquia era a não-violência.

Anomia
A idéia popular de anarquismo como absoluto caos e desordem, que os estudiosos chamam de anomia (ausência de normas) é rejeitada por todos os anarquistas tradicionais citados acima. Os anarquistas concebem os governos como as atuais fontes de desordens defendendo, portanto, que a sociedade estaria melhor ordenada sem a sua existência.
Esta convenção tem fortes conotações e historicamente tem sido usada como uma deficiência por grupos políticos contra seus oponentes, mais notavelmente os monarquistas contra os republicanos nos últimos séculos. Entretanto, a anomia tem sido abraçada por movimentos de contracultura.

Religião e espiritualidade
O movimento anarquista não advoga em favor do ateísmo ou agnosticismo, mas em muitas ocasiões sua luta anti-autoritária se estendeu ao anti-clericalismo. O problema, por tanto, está na consolidação em forma institucional da fé religiosa, tornando-se um instrumento de exploração dos homens.
Desta forma, o que os anarquistas negam é a “instituição Igreja”, em todas as suas formas, e não a igreja enquanto templo de fé, pelos seguintes fatores:
– A sua conivência, conciliação e apoio à dominação capitalista – em especial, pela defesa da propriedade privada;
– Pela sua estrutura completamente vertical, a qual segrega o corpo religioso e toda a humanidade de forma a selecionar os beneficiados e os dignos dos poderes espirituais;
– Pelas intervenções em campos não espirituais, criando, por meio da doutrina fundamentalista, uma série de empecilhos ao desenvolvimento social e humano como um todo;
– Pelo processo de alienação do ser humano em relação à sua realidade, fazendo o indivíduo, muitas vezes, delegar a entes imaginários, espirituais, as transformações humanas que, na verdade, cabem a ele mesmo ajudar a promover.
Por fim, os anarquistas acreditam que o que cada um pensa ou crê, não importa ao próximo, desde que a Liberdade e todos os demais princípios anarquistas não sejam ofuscados de forma alguma.
Tecnologia
A tecnologia, em sua pureza, não é tratada como um mal em potencial pelos libertários - com exceção da corrente anarco-primitivista. Ela é ferrenhamente combatida em seus moldes capitalistas, já que, sob eles, não possui nenhuma, ou quase nenhuma, função humana ou social e, ademais, na maioria das vezes, chega a corromper drasticamente esses campos – como é o caso das guerras, da excessiva automação industrial, das políticas tecnocráticas, etc.
Em suma, a tecnologia é tida enquanto mais um instrumento de potencialidades humanas, podendo ter uma expressiva funcionalidade libertária – como nos campos da medicina, das comunicações, dos transportes, da segurança e desenvolvimento produtivo do trabalho, etc.
Porém, a corrente de pensamentos anarco-primitivista defende a aversão a qualquer forma de desenvolvimento tecnológico, advogando o retorno das condições pré-civilizatórias para um efetivo desenvolvimento humano.

Histórico dos movimentos anarquistas
O anarquismo desempenhou papéis significativos nos grandes conflitos da primeira metade do século XX. Durante a Revolução Russa de 1917, Nestor Makhno tenta implantar o anarquismo na Ucrânia, com apoio de várias comunidades camponesas, mas que acabam derrotadas pelo Estado bolchevique de Lênin.
Quinze anos depois, anarquistas organizados em torno de uma confederação anarco-sindicalista impedem que um golpe militar fascista seja bem sucedido na Catalunha (Espanha), e são os primeiros a organizar milícias para impedir o avanço destes na consequente Guerra Civil Espanhola. Durante o curso dessa guerra civil, os anarquistas controlaram um grande território que compreendia a Catalunha e Aragão, onde se incluía a região mais industrializada de Espanha, sendo que a maior parte da economia passou a ser autogestionada (autogerida).
Após a Segunda Guerra Mundial, o movimento anarquista deixou de ser um movimento de massas, e perdeu a influência que tinha no movimento operário dos vários países europeus. Entretanto, continuaria a influenciar revoltas populares que se seguiram na segunda metade do século XX, como o Maio de 68 na França, o movimento anti-Poll tax no Reino Unido e os protestos contra a reunião da OMC em Seattle, nos Estados Unidos.

Anarquismo no Brasil
Talvez uma das primeiras experiências anarquistas do mundo, antes mesmo de ter sido criado o termo, tenha ocorrido nas margens da Baía de Babitonga, perto da cidade histórica de São Francisco do Sul. Em 1842 o Dr. Benoit Jules Mure, inspirado na teorias de Fourier, instala o Falanstério do Saí ou Colônia Industrial do Saí, reunindo os colonos vindos de França no Rio de Janeiro em 1841. Houve dissidências e um grupo dissidente, à frente do qual estava Michel Derrion, constituiu outra colônia a algumas léguas do Saí, num lugar chamado Palmital: a Colônia do Palmital.
Mure conseguiu apoio do Coronel Oliveira Camacho e do presidente da Província de Santa Catarina, Antero Ferreira de Brito. Este apoio foi-lhe fundamental para posteriormente conseguir a ajuda financeira do Governo Imperial do Brasil para seu projeto.
O anarquismo no Brasil ganhou força com a grande imigração de trabalhadores europeus entre fins do século XIX e início do século XX. Em 1889 Giovani Rossi tentou fundar em Palmeira, no interior do Paraná, uma comunidade baseada no trabalho, na vida e na negação do reconhecimento civil e religioso do matrimônio, (o que não significa, necessariamente, "amor livre"), denominada Colônia Cecília. A experiência teve curta duração.
No início do século XX, o anarquismo e o anarco-sindicalismo eram tendências majoritárias entre o operariado, culminando com as grandes greves operárias de 1917, em São Paulo, e 1918-1919, no Rio de Janeiro. Durante o mesmo período, escolas modernas foram abertas em várias cidades brasileiras, muitas delas a partir da iniciativa de agremiações operárias de inclinação anarquista.
Alguns acreditam que a decadência do movimento anarquista se deveu ao fortalecimento das correntes do socialismo autoritário, ou estatal, i.e., marxista-leninista, com a criação do Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1922 participada inclusivamente, por ex-integrantes do movimento anarquista que, influenciados pelo sucesso da revolução Russa, decidem fundar um partido segundo os moldes do partido bolchevique russo.
Porém, esta posição, sustentada por muitos historiadores, vem sendo contestada desde a década de 1970 por Edgar Rodrigues (anarquista português naturalizado no Brasil, pesquisador autodidata da história do movimento anarquista no Brasil e em Portugal), e pelos recentes estudos de Alexandre Samis que indicam que a influência anarquista no movimento operário cresceu mais durante este período do que no já fundado (PCB) e só a repressão do governo de Artur Bernardes, viria diminuir a influência das idéias anarquistas no seio do movimento grevista. Artur Bernardes foi responsável por campos de concentração e centros de tortura, nos quais morreram inúmeros libertários, sendo que o pior de tais campos foi o de Clevelândia, localizado no Oiapoque. Edgar Rodrigues apresenta em várias de suas obras as investidas de membros do PCB que, procurando transformar os sindicatos livres em sindicatos partidãrios e conquistar devotos às idéias leninistas, polemizavam em sindicatos e jornais, chegando a realizar atentados contra anarquistas que se destacavam no movimento operário brasileiro, durante a década de 1920.
Provavelmente devido aos problemas de comunicação resultantes da tecnologia da época, os anarquistas só terão compreendido a revolução russa de forma mais clara, a partir das notícias de célebres anarquistas, como a estadunidense Emma Goldman, que denunciara as atrocidades cometidas na Rússia em nome da ditadura do proletariado. Seria a partir deste momento histórico que se definiria a posição tática do anarquismo perante os socialistas autoritários no Brasil, separando a confusão ideológica que reinava em torno da revolução russa, identificada pelos anarquistas inicialmente como uma revolução libertária. Esta ideia seria depois desmistificada pelos anarquistas, que acreditam no socialismo sem ditadura, defendendo a liberdade e a abolição do Estado.
Para Rômulo Angélico, foi durante o governo de Getúlio Vargas que o anarco-sindicalismo recebeu seu golpe de morte, devido ao surgimento dos sindicatos controlados pelo Estado e as novas perseguições estatáis. Até a primeira metade da década de 1930, no entanto, o anarquismo permaneceu a idelogia mais influente entre os operários brasileiros.
Durante o Regime Militar (1964-1985), as principais expressões anarquistas no Brasil foram o Centro de Estudos Professor José Oiticica, no Rio de Janeiro, o Centro de Cultura Social de São Paulo e o Jornal O Protesto no Rio Grande do Sul. Todos foram fechados no final da década de 1960, mas seus militantes continuaram se encontrando clandestinamente, publicando livros e se correspondendo com libertários de outros países. na década de 1970 surge na Bahia o jornal O Inimigo do Rei, impulsionando a formação de novos grupos anarquistas, atráves das editorias autogestionárias, em várias partes do Brasil. No Rio Grande do Sul, nos anos oitenta, cria-se na cidade de Caxias do Sul, o Centro de Estudos em Pesquisa Social- CEPS, voltado para o trabalho social. No ano de 1986, na cidade de Florianópolis, é realizada a Primeira Jornada Libertaria com o lançamento das bases para a reorganização da Confederação Operária Brasileira - COB/AIT e a organização dos anarquistas.
O anarquismo, mesmo com a repressão, renasce, em meio aos estudantes, intelectuais e trabalhadores.
você pode ver na internet um livro de Edgard Leuenroth "Anarquismo roteiro da libertação social" publicado na década de 60 pela editora mundo livre feita pelo CEPJO.
Extraído de www.wikipedia.com.br

segunda-feira, 23 de junho de 2008

A Floresta Amazônica

Da Hiléia à Rainforest
Menos de 200 anos se passaram entre a cunhagem do termo "hiléia" para designar a floresta amazônica, pelo naturalista alemão Alexander von Humboldt (1769-1859), e o surgimento de uma parceria inusitada entre o músico britânico Sting e o cacique caiapó Raoni, no final dos anos 80, que contribuiu para transformar a hiléia num ícone da cultura popular do século 20, rebatizada como rainforest ("floresta chuvosa", um termo que nunca vingou em português). Entre uma e outra palavra, forjou-se a imagem por excelência da natureza intocada e ancestral, aquém da história, que ganhava corpo naquela imensidão de selva impenetrável e úmida, cortada pelos rios mais caudalosos da Terra.
Há bem pouco tempo, porém, pelo menos em termos geológicos --uma hora e meia atrás, se toda a história do planeta fosse comprimida em um século--, boa parte da paisagem amazônica era radicalmente diversa: muito mais seca, com um rio Amazonas e as portentosas chuvas minguados em pelo menos 40%, segundo estudo dos pesquisadores Mark Maslin e Stephen Burns na revista Science (vol. 290, p. 2285; 22/12/2000). A floresta, recortada em muitas ilhas separadas por manchas de cerrado e, talvez, até mesmo caatingas, segundo a interpretação do geógrafo brasileiro Aziz Nacib Ab'Sáber1.
Essa paisagem mais ressequida, irreconhecível pelo padrão de exuberância equatorial da Amazônia do presente, já era habitada por homens há pelo menos 8 mil anos. É o que revela o sítio arqueológico da caverna de Pedra Pintada, na margem esquerda do Amazonas, a poucos quilômetros do que é hoje Santarém, no estado do Pará. E não eram provavelmente bandos pequenos de caçadores e coletores, mas sociedades complexas o bastante para produzir peças de cerâmica, um tipo de atividade que exige certo grau de diferenciação social e de especialização, característico de grupos que já dominam a agricultura. O sítio Pedra Pintada foi estudado nos anos 90 pela arqueóloga norte-americana Anna Curtenius Roosevelt2, bisneta do presidente norte-americano Theodore Roosevelt (o grande paladino da criação de parques e florestas nacionais nos Estados Unidos, que, em 1913-4, depois de ter deixado a Presidência, se embrenhou na selva brasileira na companhia de Cândido Rondon, em busca do rio da Dúvida).
A caverna guardava nada menos que a mais antiga cerâmica já encontrada nas Américas --uma constatação no mínimo difícil de conciliar com a imagem tradicional do ambiente amazônico: floresta rica de solos pobres (78% são muito ácidos ou de baixa fertilidade) e reduzida capacidade de sustento para populações humanas, em razão de uma fauna de baixa densidade, embora muito diversificada. Pouca proteína, gente escassa. A melhor prova de que a Amazônia seria um paraíso verde para poucos (ou um inferno idem, dependendo do ponto de vista) estaria na composição de sua população indígena atual: muitos grupos pequenos e isolados, seminômades, com baixo desenvolvimento tecnológico e convivendo em relativa harmonia com o ecossistema em imensos territórios (basta mencionar, como se comprazem em fazer os inimigos da demarcação de terras indígenas, que os cerca de 12 mil ianomâmis brasileiros ocupam 97 mil quilômetros quadrados, uma área superior à da antiga metrópole, Portugal).
Civilizações Varzeanas
Segundo uma corrente que vem ganhando força na arqueologia, esse padrão de povoamento é apenas uma face da história, aquela que pode ser vista do lado de cá do Descobrimento. Ela tem o defeito de escamotear precisamente o que existia ou pode ter existido antes da chegada do colonizador. Na ótica de Anna Roosevelt, já houve uma Amazônia povoada por sociedades complexas e estratificadas, que reuniam dezenas de milhares de pessoas na agricultura de mandioca e talvez milho nas terras inundáveis, fertilizadas com os sedimentos transportados de longas distâncias pelos chamados rios de água branca (na verdade, barrenta), até mesmo dos Andes. Nessas várzeas, que cobrem de 2% a 3% da bacia amazônica (ou até 120 mil quilômetros quadrados, no caso do Brasil, o equivalente a quase um Portugal e meio), e nas suas adjacências, teriam florescido grandes cacicados, como os que legaram as elaboradas cerâmicas marajoara (da ilha de Marajó) e Santarém (nas margens do rio Tapajós). Esses povos guerreiros de cabelos compridos foram descritos nos relatos dos primeiros cronistas europeus, como o religioso Gaspar de Carvajal, que acompanhou a viagem do explorador espanhol Francisco de Orellana à foz do grande rio, dando origem à lenda das amazonas. Segundo Roosevelt, não seriam tão lendários assim --apenas não teriam conseguido sobreviver ao contato com a máquina de guerra européia e a pletora de doenças infecciosas que levava consigo.
Dito de outro modo, o padrão atual de ocupação indígena da Amazônia seria fruto do movimento da história, e não a resultante milenar de um processo biológico de ajustamento à baixa capacidade de sustentação do ambiente. "Cometemos uma injustiça contra essas populações quando as vemos, simplesmente, como selvagens afortunados, adaptados à floresta tropical, ao invés de um povo ecologicamente, economicamente e politicamente marginal que vem perdendo controle sobre seus hábitats e modos de vida", resumiu Anna Roosevelt em "Determinismo Ecológico na Interpretação do Desenvolvimento Social Indígena da Amazônia"3.
Seu alvo preferencial é Betty Meggers, tão norte-americana, arqueóloga e especializada em Amazônia quanto ela, mas de uma geração anterior. Em parceria com o marido, Clifford Evans, e contando com o beneplácito de governos militares brasileiros, Meggers reinou sobre a arqueologia amazônica nos anos 60 e 70. Ainda que incomodada com o calor, a umidade e os insetos, uma referência constante em seus escritos, Meggers comandou os primeiros trabalhos arqueológicos extensos e sistemáticos na região, reunidos em 1971 numa obra clássica, "Amazonia: Man and Culture in a Counterfeit Paradise" (Amazônia: Homem e Cultura em um Falso Paraíso)4.
O título já trai o viés da arqueóloga com relação à floresta amazônica, que da ótica do determinismo ambiental seria incapaz de dar origem a culturas mais complexas. Mesmo as óbvias exceções, como as cerâmicas marajoara e Santarém, teriam resultado de incursões esporádicas de civilizações estranhas ao ambiente amazônico, oriundas do Caribe ou mesmo dos Andes. Uma vez ali instaladas, teriam entrado num processo irresistível de decadência, provocada pelo meio e suas transformações.
Qualquer semelhança com as teorias periodicamente ressuscitadas para "explicar" o subdesenvolvimento brasileiro, com base na sua localização geográfica ou na insalubridade do meio, é mais que simples coincidência. A Amazônia não é necessariamente sinônimo de atraso social e cultural (embora qualquer viagem por seu interior ofereça copiosos e penosos exemplos exatamente disso); é o que pode constatar todo aquele que se despir de preconceitos e contemplar um vaso marajoara em qualquer museu etnográfico do Brasil.
Eixos De Destruição
Mais que difícil, é impossível conciliar essas duas Amazônias, a que entrou no produtivo e destruidor século 20 com cerca de 4 milhões de seus 5 milhões de quilômetros quadrados cobertos por florestas densas (dos quais 550 mil, ou mais de seis Portugais, seriam destruídos ao longo desses cem anos mais devastadores que a região conheceu sob a ação do homem) e a que precedeu o Descobrimento, provavelmente mais povoada e mais seca à medida que se recua no tempo, com flutuações de população, de cobertura florestal e de pluviosidade cuja amplitude só se pode conhecer hoje pelos métodos indiretos e por natureza fragmentários da arqueologia e da paleoecologia (estudo do ambiente no passado). Só o tempo permite reconciliá-las sem contradição, vale dizer, por meio da história --história natural e história humana.
Não existe uma Amazônia, arquétipo imemorial de floresta majestosa e imutável, mas territórios e paisagens mutáveis, sob influência da ação e do conhecimento humanos. E, assim como foi outra num passado não tão remoto assim, a floresta amazônica, com toda a sua imensidão, não vai estar aí para sempre. Foi preciso alcançar a fantástica taxa de desmatamento de quase 20 mil quilômetros quadrados ao ano, na última década do século 20, para que uma pequena parcela de brasileiros se desse conta de que o maior patrimônio natural do país está sendo literalmente torrado, pois nem ao menos uma acumulação primitiva de capital ele tem sido capaz de sustentar.
A maioria, particularmente aqueles mais próximos do poder, parece pouco disposta a aprender com o passado. Planos desenvolvimentistas lucubrados nas pranchetas e nas planilhas de computadores em Brasília, como o Avança Brasil, do governo Fernando Henrique Cardoso5, parecem destinados a reeditar o fracasso tão bem caracterizado por Aziz Ab'Sáber no livro A Amazônia - do Discurso à Práxis: "O que se cometeu de pseudoplanejamento, feito à distância, na fase que fundamentou a abertura da rodovia Transamazônica, não tem paralelo em qualquer parte do mundo, em termos de ausência de noção de escala, responsabilidade civil por propostas predatórias e falta de conhecimentos efetivos da realidade física, ecológica e social da Amazônia brasileira".
A abertura e a pavimentação de estradas ainda figuram como paradigma do desenvolvimento, embora se saiba, por extensa experiência, que seu principal efeito é induzir ao desmatamento. Dois estudos que vieram a público no ano 2000 partiram das taxas históricas de desmatamento registradas na Amazônia brasileira nas décadas de 70 e 80 para tentar estimar o quanto de devastação poderia ser causado pela construção e recuperação de 6.245 quilômetros de estradas, previstas no plano Avança Brasil como parte de investimentos em infra-estrutura da ordem de US$ 40 bilhões, ao longo de sete anos. As conclusões são alarmantes.
O primeiro desses estudos foi realizado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, mais conhecido pela sigla Ipam6.
Trata-se de uma organização não-governamental sui generis, que reúne sob o mesmo teto investigação científica de primeira qualidade com trabalhos de base, como a autogestão da pesca de várzea na ilha do Ituqui, perto de Santarém, e regulamentos para disciplinar queimadas na colônia agrícola Del Rey, perto de Paragominas (ambos no Pará). O Ipam é uma espécie de primo amazônico de outra ONG de pesquisa, a norte-americana Centro de Pesquisa Woods Hole (WHRC, na abreviação em inglês), que fica na localidade de mesmo nome no litoral de Massachusetts e recebe periodicamente pesquisadores brasileiros do Ipam, para estágios intensivos de treinamento acadêmico sob a supervisão do ecólogo Daniel Nepstad.
O pessoal do Ipam se juntou ao do Instituto Socioambiental (ISA), de São Paulo, para produzir o seguinte vaticínio, no livreto Avança Brasil: os Custos Ambientais Para a Amazônia, de abril de 2000: apenas quatro das estradas incluídas no Avança Brasil - Cuiabá- Santarém (BR-163), no trecho Santarém-Itaituba; Humaitá-Manaus (BR-319); Transamazônica (BR-230), no trecho Marabá-Rurópolis; e Manaus-Boa Vista (BR-174) -, perfazendo um total de 3.500 quilômetros, provocariam ao longo dos próximos 25 a 35 anos um desmatamento entre 80 mil quilômetros quadrados, no cenário otimista, e 180 mil quilômetros quadrados, numa perspectiva pessimista. Algo como um a dois Portugais de floresta derrubada e morta, em apenas uma geração, ou entre um décimo e um quinto da área de mata atlântica que os portugueses e seus descendentes levaram cinco séculos para devastar. Em carta publicada na revista britânica Nature em 11 de janeiro de 2001 ( vol. 409, p. 131), a previsão do Ipam, incluindo agora todas as estradas do Avança Brasil, foi revisada para 120 mil a 270 mil quilômetros quadrados de destruição --até três Portugais.
O segundo trabalho veio à tona em novembro de 2000, novamente pelas mãos de pesquisadores norte-americanos associados com brasileiros, dessa vez numa instituição científica mais tradicional, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), mantido pelo governo federal. Liderado pelo ecólogo William Laurance, tinha o claro propósito de refinar os cálculos efetuados pelo grupo de Nepstad, na medida em que se propunha a incluir todas as estradas do Avança Brasil, mais as hidrovias e hidrelétricas previstas no plano desenvolvimentista e a construção de linhas de transmissão de energia elétrica. Submetido à prestigiada revista científica norte-americana Science, o artigo vazou para a imprensa brasileira antes mesmo de ter recebido a aprovação final dos revisores especializados, que seus editores contatam na tentativa de garantir a publicação só de trabalhos que satisfaçam os mais altos padrões de pesquisa (um processo de filtragem conhecido como peer review, ou "revisão por pares"). Acabou saindo em janeiro de 2001 na Science (vol. 291, 19 de janeiro de 2001; p. 438). O time do Inpa também recorreu ao esquema dos dois cenários, mas pintou-os com tintas ainda mais carregadas: em apenas 20 anos, menos de uma geração, iriam restar somente 28% de mata virgem na Amazônia, na previsão mais otimista, ou meros 5%, na estimativa menos otimista, como resultado do Avança Brasil (hoje ainda há 87% da floresta de pé, boa parte intocada).
O projeto de integrar a Amazônia ao Brasil a golpes de estradas como a Transamazônica e a Belém-Brasília dura já quatro décadas. Partiu do conceito duvidoso de que a região representava um "vazio demográfico" (do qual certamente discordariam os índios e as populações ribeirinhas) e estaria portanto vulnerável a apetites estrangeiros. Além de estradas, estava nos planos a ocupação por meio de projetos de colonização agrícola e de latifúndios agropecuários, artificialmente induzidos por incentivos fiscais. Depois vieram os grandes projetos públicos de infra-estrutura e mineração, como a hidrelétrica de Tucuruí e a exploração da serra de Carajás. Com o Avança Brasil, alteraram-se alguns objetivos --na mira está agora o escoamento da produção da soja que avança sobre o cerrado circundante--, mas não a mentalidade que engendrou um "desenvolvimento" no mínimo discutível, como bem resumiu o relatório do Ipam:
"Em função dessa política de ocupação, a população humana na região cresceu de 4 milhões para 10 milhões entre 1970 e 1991, e muitas famílias foram assentadas. O rebanho bovino cresceu de 1,7 milhão de cabeças (1970) para 17 milhões em 1995. Nesse período, a produção de ferro, bauxita e ouro da região rendeu cerca de US$ 13 bilhões. O produto interno bruto (PIB) da Amazônia, que era de US$ 1 bilhão por ano em 1970, subiu para US$ 25 bilhões em 1996 (3,2% do PIB nacional). No entanto, em 1991, quase 60% da população amazônica possuía renda insuficiente e a taxa de analfabetismo era de 24%, uma das mais elevadas do Brasil, situando-se abaixo somente da região Nordeste. Atualmente, a Amazônia detém a pior distribuição de renda do Brasil, que, por sua vez, é um dos países com os piores problemas de desigualdade do mundo".
O Valor Da Floresta
O objetivo central deste livro é desfazer a imagem de que a floresta tenha estado ou vá estar aí para sempre. Acabar com o mito de que a exuberância amazônica, apesar de abarcar mais da metade do território nacional, representa "florestas virgens tão antigas quanto o mundo", como se referiu o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire às matas brasileiras. Ou, ainda, que seja tão vasta e perene a ponto de carecer de valor, ensejando sem maiores conseqüências uma exploração predatória como a que dizimou a mata atlântica em cinco séculos de colonização.
Não menos fundamental, porém, será a noção de que o valor entesourado na maior floresta tropical do mundo precisa ser apropriadamente avaliado e explorado, o que equivale a dizer que ela deve ser ocupada e utilizada de maneira sustentável, de modo a garantir a sobrevivência para uma parcela crescente de brasileiros, de preferência com uma renda e um nível de vida igualmente ascendentes. Qualquer outra proposta para a Amazônia, seja de preservação, seja de exploração, que não atenda a esse objetivo social, está fadada ao fracasso.
Como disse Euclides da Cunha numa famosa frase, relembrada pelo jornalista Ricardo Arnt em ensaio de 1991 ("Um Artifício Orgânico"): "A Amazônia é a última página, ainda por escrever-se, do Gênese". Ela terá de ser escrita por todos os cidadãos de um país que carrega o nome de uma árvore à beira da extinção, marca indelével de uma nação que principiou pela destruição sistemática de florestas, mas que nem por isso precisa insistir sistematicamente no erro.
Quanto às páginas do livro, serão escritas e apresentadas numa ordem concebida com a intenção de demonstrar a necessidade racional de revisar, desde a raiz, as noções mais correntes sobre a floresta amazônica. Sobre a floresta, bem entendido, e não sobre a Amazônia como unidade geopolítica. Não havendo como abarcar, numa obra desta extensão, todos os aspectos políticos, militares e estratégicos de um território tão vasto e problemático, optou-se por concentrar o foco naquilo que há de mais básico para esse debate: o ecossistema, em suas interações mais imediatas com as populações humanas e com o clima, regional e mundial. É manifesto que somente essas informações de fundo mais científico e econômico são insuficientes para dirimir os muitos debates sobre os destinos da macrorregião, do projeto Sivam ao problema da biopirataria, mas também não é menos certo que muitas das falsas polêmicas sobre ela seriam rapidamente resolvidas com apoio mais sólido e mais freqüente nessas mesmas informações.
No capítulo 1, os temas serão as riquezas mais propaladas da Amazônia, sua biodiversidade (riqueza biológica, ou quantidade de espécies) e sua sociodiversidade (riqueza cultural, ou multiplicidade de nações indígenas e populações tradicionais que a habitam e exploram, exercendo maior ou menor grau de pressão sobre o ambiente). O objetivo do capítulo será demonstrar que, apesar de todo o potencial dessa massa de diversidade e de conhecimento tradicional sobre seus usos para a nascente indústria da biotecnologia, dificilmente resultará daí uma forma predominante de atividade econômica, capaz de prover níveis crescentes de renda para milhões de pessoas. Extrativismo (borracha, castanha, essências) e sistemas agroflorestais (culturas perenes como cupuaçu, açaí e pupunha, por exemplo) são soluções atraentes, em particular se voltadas para o beneficiamento e o aumento do valor agregado dos produtos, mas dificilmente sustentariam mais que populações locais. Além disso, com a transformação progressiva da engenharia genética numa tecnociência da informação, a matéria-prima das seqüências genéticas naturais tenderá a perder importância.
O capítulo 2 será todo ele dedicado ao maior e mais problemático produto do extrativismo, a madeira. Sua exploração nos moldes atuais, absolutamente predatórios, tem funcionado como elo fundamental na cadeia de devastação iniciada com a abertura de estradas. Mas existem alternativas, como vêm comprovando projetos de manejo sustentável (extração racionalizada, que reduz drasticamente o desperdício e prepara o retorno à mesma área, três décadas após o primeiro corte) e de certificação ambiental de madeireiras, de olho num mercado internacional "ecologicamente correto". A principal conclusão do capítulo será que a madeira, mais que a agropecuária ou o extrativismo de produtos não-madeireiros, pode constituir a base de uma economia florestal para a Amazônia, com potencial para gerar renda e emprego para a maior parte de sua população, sem necessariamente levar à degradação da floresta.
Um dos aspectos mais fascinantes da floresta amazônica, suas relações com o clima regional e global, será contemplado no capítulo 3. A apresentação de alguns dos maiores e mais criativos projetos científicos em curso nas florestas tropicais do mundo, como o Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (mais conhecido pela abreviação inglesa LBA) e o Projeto Seca-Floresta, servirá para extrair conclusões aparentemente paradoxais, como a de que a floresta é fundamental para a sua própria sobrevivência, ou a de que seus padrões de nebulosidade e de precipitação se parecem mais com aqueles que prevalecem sobre os oceanos do que com os observados sobre os continentes. Em resumo, que a permanência da floresta é crucial para a manutenção de ciclos vitais para o clima e para a economia, justificando a emergência de um conceito que pode revolucionar a forma como se vê a Amazônia: o de serviços ecológicos, ou a contribuição da floresta para insumos equivocadamente tidos como inesgotáveis e, por isso, sem valor, como o maior aparelho de produção de água doce do planeta.
No capítulo final será defendida a conclusão de que a floresta tem, sim, um enorme valor. O que falta é quantificá-lo, explorá-lo e distribuí-lo melhor. Ou seja, que a paisagem florestal, a biodiversidade e a biomassa são commodities do futuro e já se encontram em pleno processo de valorização, produto da escassez crescente. Caberia assim, aos brasileiros, preservá-las, menos em benefício da humanidade que de seu próprio país; e por razões práticas, antes mesmo das motivações éticas (como a não-dilapidação de um patrimônio que também pertence às gerações futuras, as quais continuarão a necessitar dos serviços que a floresta provê ao homem). Enfim, que a exploração racional da floresta amazônica e sua conseqüente conservação constituem também um imperativo de ordem civilizatória, além de pragmática.
1 - Aziz Nacib Ab'Sáber, Amazônia - do Discurso à Práxis. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996; p. 56
2 - Anna C. Roosevelt, "Paleoindian Cave Dwellers in the Amazon: the Peopling of the Americas". Em: Science, vol. 272; 19 de abril de 1996; p. 373.
3 - Anna C. Roosevelt, "Determinismo Ecológico na Interpretação do Desenvolvimento Social Indígena da Amazônia". Em: Walter A. Neves (org.), Origens, Adaptações e Diversidade Biológica do Homem Nativo da Amazônia. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi/CNPq, 1991.
4 - Betty J. Meggers, Amazonia: Man and Culture in a Counterfeit Paradise. Chicago: Aldine, 1971.
5 - O programa Avança Brasil se baseia no Estudo dos Eixos Nacionais de Integração e Desenvolvimento, que, segundo o site do governo sobre o programa (www.abrasil.gov.br/), "é uma radiografia dos grandes problemas nacionais e das imensas oportunidades que o País oferece".
6 - Daniel Nepstad, João Paulo Capobianco, Ana Cristina Barros, Georgia Carvalho, Paulo Moutinho, Urbano Lopes e Paul Lefebvre, Avança Brasil: os Custos Ambientais Para a Amazônia (Relatório do Projeto "Cenários Futuros para a Amazônia").
Belém: Ipam, 2000.
Ver também o site: www.ipam.org.br/ O estudo crítico sobre impactos do projeto Avança Brasil está disponível em: www.ipam.org.br/avanca/ab.htm
Autor: Marcelo Leite
Editora: Publifolha
Páginas: 104
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha
Extraído do www.folhaonline.com.br

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Biocombustíveis: plantar para quê e para quem?

O Brasil está diante de uma grande oportunidade que pode tornar-se referência mundial na produção de biocombustíveis. Uma oportunidade que vem acompanhada de um desafio que exige escolhas estratégicas. O desenvolvimento de um programa nacional de bioenergia pode repetir experiências do passado, concentradoras de terra e capital, com forte impacto social e ambiental, ou pode trilhar novos caminhos, aliando a criação de uma nova matriz energética com políticas de distribuição de renda, geração de trabalho e combate à pobreza rural. Essa foi uma das principais conclusões do debate “Etanol e Biodiesel na Agricultura Familiar”, promovido pela Carta Maior, sexta-feira à noite, em Porto Alegre. A oportunidade e os desafios identificados pelos debatedores surgem em um cenário mundial marcado pelo fim da era de combustíveis fósseis, com pesadas implicações sociais, econômicas, políticas e ambientais.O debate realizado no Hotel Embaixador expressou, sob diferentes inflexões, a seguinte pergunta: a produção de fontes energéticas como biodiesel e etanol deve ter estar subordinada a um projeto de desenvolvimento mais amplo, gerador de trabalho e renda, e ambientalmente sustentável, ou deve ficar subordinada à lógica do grande capital global, que já olha para o Brasil como um novo Eldorado? O ex-ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, o consultor do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), Marcelo Guimarães, e o engenheiro de produção, Algacir Goron, defenderam a primeira alternativa. “Reproduzir, no início do século XXI, modelos de séculos passados que, historicamente, concentraram renda, produziram desigualdades sociais e destruição ambiental seria uma estupidez e um retrocesso”, resumiu Rossetto. A ameaça da “estrangeirização” do território nacionalA articulação do programa de bioenergia com um projeto de desenvolvimento endógeno enfrenta, entre outras coisas, o apetite voraz de grandes investidores internacionais que começam a exercer uma grande pressão sobre terras brasileiras. Em outras palavras, começam a comprar, direta ou indiretamente, uma grande quantidade de terras brasileiras, abrindo a possibilidade de uma significativa “estrangeirização” do território nacional. Esse processo concentra-se, fundamentalmente, em torno do processo de produção do etanol. Ao abrir o debate, o mediador Bernardo Kucinski apresentou alguns números que dimensionam o tamanho desse mercado. O Brasil possui hoje mais de 330 destilarias de álcool em funcionamento, com outras 19 projetadas para entrar em funcionamento nos próximos dois anos e mais 65 em fase de projeto e desenvolvimento.O Brasil é hoje o segundo maior produtor mundial de etanol (cerca de 17,5 bilhões de litros/ano), ficando atrás apenas dos Estados Unidos (cerca de 20 bilhões de litros/ano). Em 2005, o Brasil foi responsável por cerca de 55% do etanol comercializado internacionalmente. Com as novas usinas que devem entrar funcionamento nos próximos anos, a produção nacional de etanol deve aumentar em pelo menos 7 bilhões de litros até 2010. Essas usinas são proprietárias de cerca de 70% da área de cana plantada no país. Os 30% restantes estão nas mãos de médios e pequenos proprietários. Como a demanda mundial de biocombustíveis deve crescer exponencialmente nos próximos ano, em virtude da forte demanda de EUA, União Européia, China, Japão e Índia, entre outros países, o Brasil tende a aumentar significativamente a área de cana plantada.A exigência da regulação: por um Plano Diretor ruralHoje, essa área é de aproximadamente 6,3 milhões de hectares, sendo cerca de 2,6 milhões para etanol. A estimativa para o período entre 2010 e 2013 é de um aumento de 63% dessa área, chegando a aproximadamente 10,3 milhões de hectares. Uma parte considerável desse aumento está associada ao fato de que grandes investidores e fundos de investimento estrangeiros estão comprando terras e financiando a construção de usinas no Brasil. A Ethanol Pacific, de Bill Gates, por exemplo, já anunciou a intenção de investir US$ 200 milhões para viabilizar a criação de um canal permanente de exportação de álcool para os EUA. Como evitar que esse crescente internacional resulte em um processo que aumente a concentração fundiária e expulse milhares de agricultores familiares de suas terras? Para Miguel Rossetto, o programa brasileiro de biocombustíveis exige opções regulatórias claras para impedir que isso ocorra. Sem regulação, adverte, o modelo será concentrador, repetindo erros do passado. “Vivemos um momento que abre enormes possibilidades para a produção de combustíveis renováveis, através de um programa que alie a questão energética ao combate à pobreza rural. Mas sem um marco regulatório, teremos concentração de terra e renda e não geração e distribuição de renda”, resume o ex-Ministro do Desenvolvimento Agrário. Rossetto enfatiza a importância da idéia de limite que já foi incorporada no contexto do desenvolvimento urbano, mas que ainda enfrenta resistências no meio rural. E fala da necessidade de uma espécie de Plano Diretor para o campo brasileiro. “A sociedade urbana já aceitou a idéia de limite e, através do Plano Diretor, estabelece regras para delimitar a altura de prédios, preservar áreas verdes, etc. Precisamos avançar na direção da construção de um Plano Diretor para as áreas rurais para superar a lógica de vale-tudo e suas conseqüências negativas”.Uma revolução industrial tropicalNa mesma direção de Rossetto, Marcelo Guimarães defende que o grande desafio de um programa nacional de biocombustíveis é criar empregos na área rural. “Essa é uma questão crucial para o Brasil. O futuro é agora ou nunca mais. Se o gigante adormecido acordar amarrado, fracassaremos”. Para Guimarães, vivemos um período análogo ao da Revolução Industrial, quando o aproveitamento do carvão mineral desencadeou um profundo processo de transformações políticas, econômicas e sociais. Ele ilustra esse paralelo histórico e suas implicações: 90% das jazidas de carvão estão situadas acima do Trópico de Câncer e, não por aças, 90% dos países industrializados estão acima do Trópico de Câncer. Cerca de 90% das reservas de petróleo também estão acima desse trópico. A energia fóssil acima do Trópico de Câncer gerou a cidade industrial. Agora, são os países tropicais, abaixo do Trópico de Câncer que têm as melhores condições energéticas, sendo o Brasil, o melhor deles pelas características de seu território”.Para Guimarães, a produção de biocombustíveis como etanol e biodiesel só faz sentido se melhorar a qualidade de vida do povo brasileiro. Ele observa que a megalópole é o maior câncer que o país tem hoje. Grandes e caóticos aglomerados urbanos que têm, em suas periferias pobres, milhares de pessoas que foram expulsas do campo por um modelo produtivo concentrador. O debate sobre etanol e biodiesel, reforça Algacir Goron, deve ser orientado por um sentido de desenvolvimento, que fortaleça a agricultura familiar e o desenvolvimento regional, e não pela lógica de querer, acima de tudo, transformar o Brasil em um grande exportador de combustíveis. Os três debatedores concordaram também que não existe solução para os problemas urbanos do Brasil sem melhorar a qualidade de vida no campo. Assim, a questão crucial não seria debater se o etanol é melhor que o biodiesel, se deve-se plantar isto ou aquilo, mas sim “plantar para que e para quem”?. Essas questões, por sua vez, estariam subordinadas a uma pergunta mais geral: qual padrão de desenvolvimento e de consumo a sociedade brasileira deseja?
Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior
Extraído de www.agenciacartamaior.com.br

segunda-feira, 16 de junho de 2008

CLIMA

CLIMA

A atmosfera e sua dinâmica
Com espessura de aproximadamente 600 km, a atmosfera é a camada gasosa que envolve e acompanha a Terra em todos os seus movimentos, devido à força da gravidade.
A atmosfera é composta de vários gases que formam uma mistura transparente, incolor e inodora chamada ar atmosférico. Além dos gases, há também vapor de água, partículas de pó, microorganismos, etc.
Os gases mais pesados estão concentrados mais próximos da superfície terrestre e os mais leves estão mais distantes. À medida que aumenta a altitude, a atmosfera torna-se cada vez mais rarefeita (em altitudes mais elevadas sentimos falta de ar). A 80 km de altitude o oxigênio é quase inexistente, pois, por ser um gás pesado, não se mantém em altas altitudes.

Camadas da atmosfera
Desde a parte mais externa até a superfície terrestre, temos as seguintes camadas:
Exosfera: É a camada mais externa da atmosfera. Começa mais ou menos a 600 km de altitude, e seus limites superiores são imprecisos. Nessa camada, a inexistência de ar permite temperaturas elevadíssimas (mais de 1.000ºC), razão pela qual as naves espaciais devem ser construídas com materiais super resistentes.
Ionosfera: Prolonga-se da mesosfera até cerca de 600 km. O ar é muito rarefeito e carregado de íons (partículas eletrizadas que têm a propriedade de refletir as ondas de rádio, o que torna possível captar essas ondas provenientes de longas distâncias, como de outros países, por exemplo). É nessa camada que os meteoros (popularmente conhecidos como estrelas cadentes) se desintegram.
Mesosfera: Dá início a chamada atmosfera superior e vai da tropopausa até 80 km de altitude. Ao contrário do que ocorre na estratosfera, aqui a temperatura diminui com a altitude (o ar é muito rarefeito), podendo atingir -90ºC no limite superior.
Estratosfera: Estende-se a partir da Troposfera até cerca de 50 km. Ao contrário do que ocorre na troposfera, aqui a temperatura aumenta com a altitude, chegando a atingir cerca de 2ºC na parte superior. O vapor de água é quase inexistente e conseqüentemente não existem nuvens. Essa camada é particularmente importante devido à presença do gás ozônio, que filtra a maior parte dos raios ultravioleta emitidos pelo Sol. Se não fosse o ozônio, morreríamos pela ação dos raios ultravioleta.
Troposfera: Atinge até cerca de 10 a 12 km de altitude e concentra 75% dos gases e 80% da umidade atmosférica (vapor de água, cristais de gelo etc., que formam as nuvens). É a camada que nos envolve diretamente e na qual ocorrem as perturbações atmosféricas. Na troposfera, a temperatura diminui em média 6,5ºC/km à medida que nos elevamos, podendo atingir -60ºC na parte superior, que é chamada de tropopausa.

Clima e tempo
O Clima corresponde ao comportamento da atmosfera ao longo do ano em determinado ponto da superfície terrestre. Os fenômenos meteorológicos ocorridos em um instante ou em um dia são relativos ao tempo atmosférico. Portanto, se dizemos que hoje o dia está quente e úmido, estamos nos referindo ao tempo, ao comportamento da atmosfera nesse dia. Por outro lado, se dizemos que na Amazônia o tempo é quente e úmido o ano inteiro, estamos nos referindo ao clima da região, ao comportamento da atmosfera ao longo do ano.
Sabe-se que cada região apresenta um clima próprio. O clima do Rio de Janeiro é diferente do clima de Paris, por exemplo, devido a um conjunto diferenciado de fatores climáticos: latitude, altitude, massas de ar, continentalidade ou maritimidade, correntes marítimas, relevo, vegetação e urbanização. A conjugação desses fatores é responsável pelo comportamento dos elementos climáticos que são captados por nossos sentidos: temperatura, umidade e pressão atmosférica.

a) Fatores do clima
Os fatores do clima são:
Latitude: quanto maior a latitude, ou seja, quanto mais nos afastamos do Equador, menores são as médias térmicas anuais. Por ser esférica, a Terra é iluminada pelos raios solares com diferentes inclinações. Quanto mais próximo do Equador, menor é a inclinação com que os raios solares incidem na superfície terrestre. Em contrapartida, quanto maior a latitude, mais acentuada é a inclinação com que os raios solares incidem na superfície da Terra. Quanto maior a inclinação, maior é a área aquecida e, portanto, menor é a temperatura.
Altitude: quanto maior a altitude, menor a temperatura. No alto de uma grande serra é mais frio, no mesmo instante e na mesma latitude, que ao nível do mar. Esse fenômeno é facilmente compreensível, já que a atmosfera se aquece por irradiação; os raios solares aquecem a superfície na qual incidem, seja continente ou oceano, que irradiará o calor absorvido para a atmosfera. Quanto maior a altitude menos, intensa é a irradiação e menor a temperatura. Um raio solar que atravessa a atmosfera sem incidir na superfície ou que reflete e retorna ao espaço sideral não altera a temperatura do planeta, já que não houve retenção de energia. O índice de reflexão – o albedo – de uma superfície varia em função da cor. A neve, por ser branca, reflete cerca de 75% dos raios solares incidentes, enquanto a floresta amazônica, por der escura, reflete apenas cerca de 15%. Quanto menor o albedo, maior a absorção de raios solares, maior o aquecimento e, conseqüentemente, maior a irradiação de calor.
Massas de ar: são bolsões imensos de ar, ventos de escala planetária que se deslocam, por diferença de pressão, pela superfície terrestre, carregando consigo as características de temperatura e umidade da região onde se originaram. À medida que se deslocam, vão se descaracterizando por influencia de outras massas com as quais trocam calor. A classificação das massas é bastante simples: as oceânicas são úmidas e as continentais, com raras exceções, são secas; as tropicais e equatoriais são quentes enquanto as temperadas e polares são frias.
Continentalidade e maritimidade: a maior ou menor proximidade de grandes quantidades de água exerce forte influencia não só no comportamento da umidade relativa do ar, mas também da temperatura. O calor específico da água é maior que o da terra. Em conseqüência, a água demora a se aquecer, enquanto os continentes aquecem rapidamente. Por outro lado, a água retém calor por mais tempo e demora a irradiar a energia absorvida; os continentes esfriam com maior rapidez quando cessa ou diminui a entrada de luz solar ao iniciar-se a noite ou o inverno. Portanto, em localidades que sofrem influencia da continentalidade, a amplitude térmica diária e sazonal é bem maior que a das localidades que sofrem influencia da maritimidade. Por possuir uma quantidade de terras emersas muito maior que o hemisfério sul, o hemisfério norte tem uma amplitude térmica anual maior, com invernos mais rigorosos e verões mais quentes.

Correntes marítimas: são grandes massas de água que se deslocam pelo oceano com condições próprias de temperatura, salinidade e pressão. Possui grande influencia no clima, além de favorecerem a atividade pesqueira em áreas de encontro de correntes quentes e frias, nas quais há a ressurgência de plâncton. A corrente quente do golfo, ou Gulf Stream, impede o congelamento do mar do Norte e ameniza os rigores climáticos do inverno na porção noroeste da Europa. A corrente fria de Humboldt, no hemisfério sul, e a da Califórnia, no hemisfério norte, causam queda da temperatura do ar próximo as litorais, respectivamente do norte do Chile e do sudoeste os Estados Unidos. Isso provoca condensação do ar e chuvas no oceano, fazendo com que as massas de ar percam a umidade. Ao atingirem o continente, elas estão secas, originando, assim, os desertos de Atacama (Chile) e da Califórnia (Estados Unidos). Já as correntes quentes do Brasil (leste da América do Sul), das Agulhas (sudeste da África) e Leste-australiana determinam muita umidade, pois a elas estão associadas massas de a quente e úmido que provocam fortes chuvas.

Vegetação: as plantas retiram umidade do solo pela raiz e a enviam à atmosfera pelas folhas (evapotranspiração). Além disso, a vegetação impede que os raios solares incidam diretamente sobre a superfície. Assim, com o desmatamento, há uma grande diminuição da umidade e, portanto, das chuvas, ale de um aumento significativo das temperaturas médias.
Relevo: além de estar associado à altitude, que é um fator climático, o relevo também influi na temperatura e na umidade, ao facilitar ou dificultar a circulação das massas de ar. Por exemplo, na Europa, as planícies existentes no centro do continente facilitam a penetração das massas de ar oceânicas (ventos do oeste) provocando chuvas e minimizando a amplitude térmica anual. Nos Estados Unidos, as cadeias montanhosas do oeste (Sierra Nevada, cadeias da Costa) impedem a passagem das massas de ar vindas do Pacífico, o que explica as chuvas na vertente voltada para o mar e a aridez no lado oposto. No Brasil, a disposição longitudinal das Serras no Centro-sul do país formam um “corredor” que facilita a circulação da massa polar atlântica e dificulta a circulação da massa tropical atlântica.

b) Elementos do clima
Destacaremos dois elementos do clima: a umidade e a pressão atmosférica.
A umidade corresponde à quantidade de vapor de água encontrada na atmosfera em determinado instante, podendo ser expressa em números absolutos (g/m3) e relativos (%). Todos nós já ouvimos o locutor de rádio dizer que a umidade relativa do ar é, por exemplo, de 70%. Passadas algumas horas, ele diz que a umidade relativa subiu para 90%. Qual a aplicação prática disso?
A umidade é relativa ao ponto de saturação de vapor de água na atmosfera, em média 4%. Ao saturar-se de vapor (ponto de orvalho), a atmosfera promoverá a precipitação ou chuva. Assim, 80% de umidade relativa significa que estamos a 80% da capacidade máxima de retenção da vapor de água na atmosfera, que é de 4% o que significa 3,2% de vapor em termos absolutos. Quando está chovendo, temos aproximadamente 4% de vapor de água, em termos absolutos, e 100% de umidade relativa do ar.
Para que chova, porém, além de o vapor atingir o ponto de saturação, a água tem de se condensar, passando do estado gasoso ao liquido. Isso acontece fisicamente com a queda de temperatura explica os três principais tipos de chuvas que ocorrem no planeta: frontal, orográfica e convectiva.

Os tipos de chuva
Os três principais tipos de chuva são:
Chuva frontal: na zona de contato entre duas massas de ar (frente) de características diferentes, uma quente e outra fria, ocorre a condensação do vapor e a precipitação da água na forma de chuva. A área de abrangência (em quilômetros quadrados) e o volume de água precipitada estão relacionados com a intensidade das massas, variável no decorrer do ano.
Chuva de relevo ou orográfica: em alguns locais do planeta, barreiras de relevo obrigam as massas de ar a atingir altitudes superiores, o que causa queda de temperatura e condensação do vapor. Esse tipo de chuva costuma ser intermitente e fina, e é muito comum nas regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, onde as serras e chapadas dificultam a penetração das massas de ar úmidas provenientes do oceano Atlântico no interior do continente.
Chuva de convecção ou chuva de verão: em dias quentes o ar próximo a superfície fica leve e sobe para as camadas superiores da atmosfera, carregando umidade. Ao atingir altitudes superiores, a temperatura diminui e o vapor se condensa em gotículas tão pequenas que permanecem em suspensão. O ar fica mais pesado e desce frio e seco em direção à superfície, iniciando novamente o ciclo convectivo. Ao fim da tarde, a nuvem resultante está enorme, chegando a atingir 13km de altitude e provocando chuvas torrenciais. Após a chuva, o céu fica claro novamente.
A pressão atmosférica corresponde a força provocada pelo peso do ar. Quanto maior a altitude, menor a coluna e maior a rarefação do ar, o que diminui a pressão. Sabe-se, ainda, que o ar quente é leve. Esse fenômeno é explicado pela expansão dos gases, ou seja, quanto maior a temperatura, menor o número de moléculas e, portanto, menor o peso de cada metro cúbico de ar. Em contrapartida, quanto menor a temperatura, maior o numero de moléculas por metro cúbico de ar; tem-se, então, maiores peso e pressão.
Todo e qualquer movimento de ar ou vento na atmosfera decorre de diferença de pressão. O vento sempre se desloca das áreas de alta pressão para as de baixa pressão, das áreas de temperaturas mais baixas para as de temperatura mais elevadas. Esse movimento pode se dar entre regiões que distam apenas alguns quilômetros (vento local) ou em escala planetária (massas de ar), deslocando-se das áreas de alta latitude para as de média e baixa latitude. A única exceção, a essa regra são os alísios, que atuam ininterruptamente, com a mesma intensidade, na zona intertropical do planeta, pois são decorrentes do movimento de rotação da Terra.

Climogramas
Para verificar a oscilação das temperaturas e a distribuição das chuvas ao longo do ano, utilizam-se os climogramas – gráficos que nos permitem analisar as variações de climáticas ao longo do ano e em determinadas regiões. Apresentam, na sua base, as letras indicativas dos meses do ano. Num lado, indica-se a variação do regime pluviométrico, e no outro, as variações de temperatura, apresentadas em graus centígrados.
As colunas representam a quantidade de chuva distribuídas ao longo dos meses do ano.

El Niño e La Niña
O fenômeno El Niño começou a ser estudado no inicio do século XX, porem referencias a algo semelhante datam do século XVlll.
O fenômeno consiste no aquecimento das águas do oceano Pacifico, que ocorre no período primavera-verão, com intervalos variados, geralmente de 7 a 11 anos. O nome, que significa “o menino” ou “Menino Jesus”, em espanhol, foi usado pela primeira vez por pescadores peruanos ao observarem a chegada de uma corrente oceânica quente perto do natal.
Aquecida, parte da água evapora, ganha altitude e, levada por ventos de oeste, volta a cair em forma de chuva no oeste da América do Sul, particularmente no Peru e Equador; ao associar-se com frentes frias de origem Antártida, provoca chuvas intensas no Sul e Sudeste do Brasil. Em contrapartida, a pluviosidade diminui no leste da Amazônia e a seca se agrava no Nordeste brasileiro.
Por outro lado, dentro da normalidade, os ventos alísios sopram direcionando as águas quentes superficiais do litoral da América do Sul para Indonésia, provocando chuvas necessárias à região. Aliado a esse movimento das águas ocorre o fenômeno da ressurgência, ou seja, as águas frias mais profundas sobem até a superfície, trazendo consigo uma formidável quantidade de nutrientes, atraindo peixes.
Com a chegada do El Niño, acontecem anormalidades. Os Alísios tornam-se mais fracos e bloqueiam a ressurgência. As chuvas não atingem a Indonésia e se precipitam sobre o meio do Pacífico.
O fenômeno denominado La Niña – ou fase fria – é o oposto do El Niño, porem mais fraco, acontecendo em períodos de um a dois anos após o El Niño.
Trata-se da intensificação dos ventos alísios, que atuam com mais força e levam as águas superficiais quentes para a Ásia, provocando fortes chuvas, vendavais, enchentes. As águas frias atingem a costa do Peru, aumentando o fenômeno da ressurgência e, conseqüentemente, elevando o número de peixes nessa região.
No Brasil La Niña gera escassez de chuvas na parte meridional do território e pluviosidade farta no Nordeste.

Protesta

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MST

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Punks

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Síntese

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Ezln Sub-comandante Marcos

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Exército Zapatista de Libertação Nacional

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Bandeira das Farc´s

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Farc´s

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Guerrilheira das Farc´s

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Bandeira do Exército de Libertação Nacional

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Guerrilheiro do ELN

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Liberdade para Mumia Abu Jamal

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Igualdade de gêneros

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